Apólice: Qual é a importância da tecnologia, do
custo e do relacionamento dentro do processo de informatização
do mercado de seguro? Como esses itens devem atuar?
Flávio Faggion: Quando você compara a importância da
tecnologia dentro do mercado segurador com, por exemplo, um
banco, existe uma diferença fundamental. O banco tem uma
necessidade tecnológica voltada à operação on-line, onde o
fator mais importante é a velocidade.
No caso das
seguradoras, uma grande parte delas não precisa manter-se em
operação on-line. Se uma delas ficar fora do ar durante um
dia, não será traumático. Talvez seja trabalhoso, mas isso não
acarretará em nenhum dano mais sério. A seguradora não deixará
de aceitar um risco, de emitir apólices. Já em um banco, 15
minutos parados são o suficiente para gerar um grande
transtorno, uma vez que muitas operações financeiras deixarão
de ser realizadas.
Apólice: O que é mais
importante para as seguradoras?
Faggion: Para as
seguradoras, a tecnologia está muito voltada aos processos, à
melhoria deles. Quando falamos de relacionamento com pessoas,
ela está mais direcionada ao público interno das empresas. Em
um banco a tecnologia está dentro do processo, voltada direta
e fundamentalmente ao cliente.
A tecnologia colocada à
disposição dos canais de venda, como o corretor de seguros,
por exemplo, ou do segurado, ainda é incipiente. Ela necessita
se desenvolver muito ainda.
Apólice: Muitos
corretores de seguros vêm reclamando do excesso de tarefas
adicionais repassadas a eles pelas companhias seguradoras,
como a questão da emissão de apólices. A tecnologia, nesse
caso, não seria capaz de amenizar esse problema?
Faggion: Na verdade, a idéia da seguradora não é
atolar o corretor de serviço. A idéia é de, com o auxílio da
tecnologia, dar autonomia suficiente ao corretor, de maneira
que ele passasse a ter acesso a uma série de informações que
colaborariam para a administração de seu negócio. Informações
não apenas relacionadas à comissão, mas também sobre o
segurado, dados da apólice.
Apólice: Isso
facilitaria a emissão de apólice caso o corretor tivesse à sua
disposição toda a tecnologia necessária. Mas não poderia ser
considerado como uma transferência de responsabilidade?
Faggion: Eu não encaro dessa forma. Ao meu ver, isso
aumenta a qualificação desse corretor frente ao segurado, de
modo que o segurado passe a ver naquele corretor um
profissional com uma dimensão muito maior do que um simples
vendedor de seguros, que é a idéia que muitas vezes ele passa.
Esse corretor passa a ser diferenciado.
Apólice: Qual o motivo de o corretor ver isso como
‘mais um serviço’?
Faggion: Porque, até o momento, não
se aplicou muita tecnologia nesse processo. Houve apenas a
transferência desse serviço. Se tivesse o apoio da tecnologia,
o corretor faria com que a relevância dele frente ao cliente
fosse destacada, pois suas atividades seriam realizadas com
agilidade.
Além disso, esse corretor teria mais tempo
de prospectar novos negócios e para se dedicar aos clientes já
conquistados. Com a ajuda da tecnologia, você dá a ele mais
tempo para se dedicar à venda.
Apólice:
E o que seria esse ‘processo inicial’ da utilização da
tecnologia?
Faggion: Existem empresas que já estão se
relacionando com alguns corretores por meio da Intranet,
disponibilizando as informações necessárias a esse
profissional. Mas ainda não se chega a tal ponto, como dito
anteriormente, com essa velocidade de se fazer a emissão de
uma apólice no momento do contato com o cliente.
Tem
um processo que é a aceitação, que ainda preserva para a
seguradora o poder de decisão sobre o que será ou não aceito.
O corretor não pode fazer essa aceitação. Ele apenas indica,
mas a palavra final fica por conta da seguradora. Até agora
esse processo permanece assim. Já com a tecnologia, com a
utilização de sistemas próprios para esse fim, o corretor
poderia fazer a aceitação, agilizando o processo.
Apólice: A iniciativa de investir para
melhorar o relacionamento com o corretor, por meio de troca de
informações, tem que partir da seguradora?
Faggion: Na
verdade, tem que partir dos dois lados. Tanto da seguradora
quanto do corretor. Os corretores têm que brigar pelo que eles
precisam, e eles estão brigando. A força que o corretor tem é
a força da classe. Mas o corretor sabe que ele é o grande
canal de distribuição. Comparando com os bancos, estes possuem
uma estrutura de distribuição montada, que são as agências.
Eles estão em qualquer ponto. Já as seguradoras não têm
condição de ter isso. Quem é que vai fazer a distribuição? O
corretor. Ele tem que exigir, fazer certas pressões.
Apólice: Onde as seguradoras buscaram
soluções?
Faggion: Do ponto de vista tecnológico,
podemos dividir as seguradoras em dois grupos. As companhias
de maior porte desenvolveram internamente suas ferramentas
tecnológicas. As seguradoras de menor porte, principalmente
aquelas de capital estrangeiro, que não têm grandes aspirações
de se tornarem os principais competidores do mercado, foram
buscar soluções disponíveis no mercado. Ou ainda receberam
sistemas de suas matrizes e enfrentaram problemas para a
integração de dados.
Apólice: Elas
ainda têm dificuldade?
Faggion: Ainda têm. Eu não
saberia dizer em que grau. Mas posso te garantir que é uma boa
parte. E isso é relevante. Nesse caso, a solução Web se
encaixa muito bem para integrar as informações, porque uma de
suas características é que ela consegue integrar informações
de várias origens. Consegue buscar informações em vários
locais, que podem ser internos ou externos, e publicar esses
dados em um brownser, para que o usuário, seja ele interno ou
externo, possa acessá-la. Pode, também, promover
inter-relações.
Temos hoje, por exemplo, as vistorias
prévias. As empresas que realizam esse serviço já conseguiram
se relacionar com as seguradoras passando informações
eletronicamente. Mas esse processo de disponibilizar
informações para o corretor, no modelo de um portal do
corretor, onde ele poderá encontrar todas as informações das
quais necessita, ainda não está pronto. Mas a Web possibilita
isso.
Apólice: O que é uma solução para um bom padrão de
qualidade?
Faggion: É uma solução que processa todo o
seguro, desde a emissão até a regulação do sinistro. Algumas
empresas da Argentina, por exemplo, já encontraram soluções
deste tipo. O problema é que elas não contemplam todas as
necessidades brasileiras e, portanto, não deveriam ser
importadas. Quando uma companhia apenas adquire uma solução
deste tipo, que possui um número de processos infinitamente
menor do que o necessário, ela passa boa parte de seu tempo
fazendo a adaptação do programa.
Apólice: E a
solução para as companhias é o ambiente Web?
Faggion:
Na verdade, a Web se aplica a todas elas. Assim como para os
bancos, a Web é uma solução importante, pois ela está mudando,
mexendo com a política de custo e produto. Eu acredito que
esse seja o caminho para as seguradoras. Mas, além do fator
tecnológico, existe ainda um outro item, também fundamental: o
fator humano. Infelizmente, o que a gente observa nesses
últimos anos nas seguradoras, com a necessidade de redução de
gastos administrativos, também foi reduzida a qualidade do
pessoal de seguros.
Apólice: É
necessário ter pessoal minimamente treinado para utilizar
estas tecnologias nas empresas?
Faggion: Até um certo
tempo atrás, as pessoas eram processadoras de informações.
Eram pessoas que se dedicavam a preparar a informação a ser
processada. Era um trabalho de processo. Hoje em dia, não.
Hoje, se faz uma análise das informações. São funções que
objetivam agregar valor ao negócio. Mas tem que ter pessoas
que possam agregar valor. Pessoas que possam tomar algum tipo
de decisão. Essa é a característica principal do fator humano.
Quando se fala que as seguradoras não têm investido no
mercado, quer dizer também que elas não têm investido na
valorização do profissional, na preparação do profissional.
Apólice: Não adianta resolver um
problema ficando com outro.
Faggion: Não adianta você
ter um belo sistema se não tiver pessoas. A verdade é que, sem
pessoas, não se tem um belo sistema. É a mesma coisa que
contratar uma empresa de consultoria e achar que ela
encontrará uma solução mágica para você. Isso não existe.
Apólice: Para onde estamos caminhando,
em termos de tecnologia? Tudo está migrando para o ambiente
Web?
Faggion: A Web é um fator importante no
desenvolvimento. Quando falamos em Web, não é venda de seguros
pela internet. Isso é uma coisa que ainda está incipiente. Eu
entendo que a Web seja, em termos tecnológicos, um caminho que
as seguradoras têm que olhar com muito carinho. E essa é uma
das soluções para promover e estreitar esse relacionamento,
tanto para os canais de vendas quanto para seus clientes. Esse
é um caminho que eu acredito que se deva buscar.
Apólice: O que você está percebendo que eles precisam
com mais rapidez e que ainda não está desenvolvido?
Faggion: É atendimento. O que é que nós temos que
atender no corretor? O que ele precisa? Ele precisa de um
processo de atendimento que tire a carga administrativa dele,
permitindo que ele possa se dedicar ao conhecimento de seu
cliente, para prestar uma boa assessoria ao segurado,
garantindo que este esteja bem amparado com relação às suas
necessidades de seguros. Essa é a grande necessidade do
corretor. A tecnologia, nesse caso, é fundamental.
Apólice: E por parte das seguradoras?
Faggion: Do lado da seguradora, elas querem ter um
relacionamento com seu corretor para que ele possa vender mais
para elas. Elas buscam eficiência. Hoje, você não vai
diferenciar um corretor com essa fachada apenas pela comissão
que é paga. Às vezes, você paga uma comissão alta porque você
ainda não tem a necessária competência para isso. É um fato
que já ficou em segundo plano. Você, como segurador, tem que
buscar a qualidade do seu serviço. Se obtiver um serviço
eficiente, fará com que o corretor prefira a sua empresa.
Apólice: Isso a gente ouve há muito
tempo. Por que ainda não foi feito?
Faggion: Por
limitações culturais, o mercado de seguros tem uma grande
diferença, que é a padronização. Os bancos viabilizaram esse
desempenho que hoje, há quem diga, é o melhor do mundo. Se não
for, no mínimo, ele é muito avançado. Mas o que é que
viabilizou isso? A padronização. Em qualquer banco, desde o
talão de cheques, os caixas eletrônicos, até a mais complexa
movimentação financeira, a operação é praticamente igual em
todos os lugares. Logicamente varia um serviço no banco X, um
produto no banco Y. Mas, basicamente, as operações são todas
iguais. Com a padronização eles conseguiram avançar, dividiram
custos. A padronização em seguros é muito baixa, muito
pequena. Você não vê nada padronizado em seguradora. Esse é um
fator complicado, porque encarece. Esse é um processo
cultural. As seguradoras não se sentam, verdadeiramente, para
conversar sobre o assunto. Cada uma acha que tem que
‘preservar’ seus dados, seus clientes, sobre o pretexto de não
querer que o concorrente fique sabendo de nada.
Apólice: Com a padronização, as seguradoras
precisariam abrir seus dados aos demais?
Faggion: Não,
muito pelo contrário. Não tem nada a ver uma coisa com a
outra. Esse medo é uma coisa puramente cultural. Trata-se de
medo de uma coisa que não existe. E as seguradoras estão
pagando caro por isso. A cada necessidade que você tiver, a
seguradora tratará de um jeito. Isso encarece os processos.
Com a padronização, esse atendimento será mais fácil.
Apólice: Há como se mudar a cultura em
curto prazo?
Faggion: Claro. Estando do lado de fora,
nós temos a obrigação de fazer isso. Não só os corretores e
seguradoras, mas quem está no mercado, como um todo, tem que
se mobilizar para que isso aconteça. Quando falamos em
padronização, já se pensa em todos os segurados tendo o mesmo
tipo de apólice. Não é isso. Padronização diz respeito apenas
ao processo. Agora, a identidade, a imagem da seguradora, cada
uma tem a sua. Cada uma vai se destacar, sem problema nenhum,
seja oferecendo um serviço, seja de qualquer outra forma que a
companhia julgar interessante a ela e aos seus segurados. A
idéia da padronização não é deixar todo mundo igual. A idéia é
apenas simplificar os processos.
Apólice: A concentração de mercado não dificulta muito
esse processo de padronização? Se uma empresa detém 40, 50% do
mercado, isso não é interessante para ela.
Faggion:
Com certeza. Mas essa é uma visão curta porque, ao se
preservar tanto, você está fadado à extinção. Tudo o que
preserva tende à extinção. Você não evolui. Vai contra a
evolução natural das coisas. Nada que evoluiu até hoje foi
porque teve reserva de mercado. Até na natureza. Só sobrevive
quem encara os desafios.
Apólice: As
empresas de pequeno e médio porte também resistem tanto à
padronização?
Faggion: Elas não resistem, mas
infelizmente precisam acompanhar a maré. Devido à concentração
de mercado, elas acabam ficando sem força. Vai saber se elas,
estando no mesmo lugar das grandes, não fariam o mesmo jogo.
Mas, hoje, elas têm que seguir as ondas do mercado. E qual é o
papel delas? Acho que é contribuir, batalhar junto. Esse é um
processo de unir forças.